domingo, 6 de maio de 2012

O Santuário - Parte I

(Minha primeira e, por enquanto, única história de "terror", escrita nos idos anos de 2006. Publico-a aqui em três capítulos, totalmente revisada e renovada.)



Era um dia nublado e abafado. Doutora Rosângela Friburgo lia distraidamente seu jornal quando foi interrompida pela campainha.

— Carteiro! — informou uma voz do lado de fora.

Ao pegar a correspondência, Rosângela notou que, entre as contas e propagandas habituais, havia também uma carta maior, com o símbolo do museu nacional, endereçada a ela.

Rosângela era doutora em arqueologia, acabara de especializar-se em procedimentos e técnicas de escavação e trabalhava há quase dois anos no museu nacional. Ganhava bem, tinha uma confortável morada em Londres, uma casa de veraneio em Portugal e um sonho infantil inconfesso de viver aventuras como as enfrentadas pelo personagem Indiana Jones. Foi sua paixão por esta ficção que a fez decidir seguir a carreira da arqueologia, mas se qualquer um de seus colegas de universidade levantasse esta hipótese ela a negaria até a morte.

— Oh! — exclamou ao ler a carta — Uma expedição? À Índia? No mês que vêm?!

Após ficar alguns instantes com o olhar perdido imaginando-se fugindo de pedras gigantes e múmias-zumbis, correu para contar a novidade ao marido.

— Legal. — respondeu ele.

— Legal? — disse Rosângela — É maravilhoso! Já fiz algumas escavações na Índia antes, meu mestrado foi sobre isso, lembra?, mas esta é justamente a oportunidade para colocar em prática minha tese de pós-doc que... — o marido parecia não estar prestando a mínima atenção — Poxa, Greg. Um pouco de consideração aqui, sim?

— Mas eu tô prestando atenção — disse ele brincando com o controle remoto da televisão.

— Sei. Bom, a viagem é toda paga pelo museu e eu posso levar um acompanhante, mas se você não quiser ir eu chamo a minha irmã.

— Quê? — ele levantou-se num pulo do sofá — Tudo pago? Ah, Rosi, por que você não disse logo? Arrume as malas! Vamos viajar de graça!

****

— Ai! Quanto mosquito!

Gregory não agüentava mais aqueles bichinhos barulhentos zumbindo em seus ouvidos e deixando suas pernas embolotadas e em carne-viva. Arrependera-se amargamente de ter acompanhado Rosângela no momento em que botou os pés na aldeia onde se estabeleceriam durante a viagem. Fazia calor, havia milhares de mosquitos do tamanho de elefantes e os colegas de sua esposa eram professores doutores universitários arrogantes e sem um pingo de senso de humor.

Estavam havia dois dias enfiados num casebre minúsculo, cheio de rachaduras e sem água encanada em algum lugar próximo a uma aldeia à noroeste da Índia que alguém lhe disse ter o nome de Ellora. E fazia calor, muito calor.

— Devia ter imaginado — continuou ele, limpando o rosto com um lenço e espantando meia dúzia de mosquitos — Pago pelo museu... Rá! Deve ter sido o lugar mais barato que arranjaram, esses pilantras.

— Ah, amor, não reclama — disse Rosângela — Essa aldeia é a mais próxima do sítio onde estamos escavano. E aqui é tudo tão fascinante! Você viu aquela gruta que encontramos por acaso mais ao sul, hoje? Os entalhes nas pedras são definitivamente magníficos!

— Magníficos, sim. Magnífico seria poder tomar um belo banho de hidromassagem, ligar um refrescante ar-condicionado na potência máxima e matar com raios-laser milimetricamente programados esses malditos mosquitos filhos de uma égua.

Com um muxoxo de cansaço ele deitou-se na cama feita com bambus e, pensando em refrigeradores de ar industriais e matadores de moscas gigantes finalmente adormeceu.

No dia seguinte Rosângela acordou bem cedo, fez um café forte com o pó que trouxera de casa e convenceu o marido a levantar-se também.

— Hoje vamos explorar aquela gruta que achamos ontem — disse ela, empolgada, enquanto bebia seu café — Pode ser que tenhamos encontrado um lugar em que nenhum humano colocou os pés desde o século oito!!

— Que bom — respondeu Gregory, irônico, esfregando os olhos.

— Você pode ficar aqui, se quiser.

— Ah, obrigada, mas vou com vocês. Prefiro a companhia daquele cara de fuínha do Professor Johnson a ser o prato principal para o almoço dos mosquitos. E eu não fui muito com a cara desses nativos. Parece que eles estão observando por dentro da minha alma — continuou quando saíram para a rua.

Juntaram-se ao restante da expedição e rumaram em direção à caverna. Ela ficava a pouco mais de uma hora de caminhada da aldeia, escondida por uma alta vegetação. Encontraram-na por acaso na tarde anterior, quando os dois estagiários graduandos em História afastaram-se do sítio para, bem, utilizarem-se de algumas substâncias psico-ativas e tropeçaram em uma pedra entalhada. A princípio achou-se que os garotos estavam equivocados, porém Rosângela fez questão de observar por si própria aqueles entalhes e encontrou a entrada da caverna. Como já começava a escurecer decidiram ser mais sensato deixar a exploração para o dia seguinte.

Ao chegarem, Rosângela, e até mesmo Gregory, ficaram boquiabertos. A gruta, a qual parecia pequena por fora, era bem maior por dentro do que o esperado. Havia deuses e animais esculpidos na pedra bruta por todas as paredes e grossos pilares de pedra com inscrições antigas entalhadas milhares de anos atrás.

À volta de um destes pilares Rosângela notou algumas inscrições peculiares e, deixando que o resto do grupo seguisse em frente, demorou-se mais alguns instantes a fim de analisar melhor o que elas poderiam significar.

— Curioso... é... curioso... realmente muito curioso... curiosíssimo...

— Rosi, será que você poderia fazer o favor de me dizer o que dabos é tão curioso? — perguntou Gregory bocejando.

— Essas inscrições... não batem com as do resto do santuário... parecem mais antigas. Veja, há alguns fungos fossilizados aqui que...

— Ah, claro, fungos fossilizados. Certo. Bom, Rosi, enquanto você troca uma ideia com estes fungos anciãos eu vou me sentar aqui um instantinho, ok? Minhas pernas doem, eu não sou mais um garoto de dezoito anos que...

Quando ele encostou-se à parede próxima do pilar, algo fez mover um tipo de passagem, revelando uma escadaria comprida e sem final visível.

— Ai, caramba! Não fui eu! — disse Gregory afastando-se rapidamente.

— Uau! — disse Rosângela dando uma espiada lá dentro — Onde será que isso vai dar?

— Eu não sei, Rosi, e acho que não quero saber — disse Gregory com voz esganiçada — A gente precisa encontrar os outros, e se os meninos do estágio estiverem fumando de novo?

— Ora, vamos, Greg! — respondeu Rosângela, ligando sua lanterna — O que podemos encontrar aqui embaixo pode ser muito melhor do que qualquer psico-ativo — continuou, descendo a escada vagarosamente.

— Ai, Rosi. Você e essa mania de Indiana Jones — disse Gregory descendo rapidamente atrás da esposa.

Quando estavam nos últimos degraus, a lanterna escorregou das mãos dela e apagou-se, deixando-os no mais completo e definitivo breu.

(Continua aqui)

Um comentário:

  1. Gregory ao meu ver é um amigo gay, não um marido! hahhahhaha... vou para a segunda parte!

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