domingo, 6 de maio de 2012

O Santuário - Parte II

(Se não leu a parte I, clique aqui)


— Ah, essa não! Cadê a lanterna?

Com cuidado redobrado, desceram os últimos degraus. Quando seus pés os avisaram de que haviam chegado ao final da escadaria, puseram-se a procurar a lanterna, apalpando o escuro.

— Ugh! Que fedor! — disse Gregory tampando o nariz e tateando o vazio em busca da lanterna — Ai! Acho que me cortei!
— Achei! — Disse Rosângela ligando a lanterna.
Mas seria melhor tê-la deixado apagada.

O aposento era úmido, com correntes enerrujadas pendendo do teto e ratos e besouros em decomposição acarpetando todo o chão. Lanças e espetos cujas pontas atravessavam restos de cabeças humanas acomodavam-se a um canto, enquanto no outro centenas de esqueletos e corpos mutilados jaziam de forma sombria. Nas paredes, inscrições de símbolos estranhos pareciam ter sido pintadas com sangue, e do lado oposto ao da escadaria, presa à pedra por ganchos de ferro, uma enorme coroa de ouro e diamantes cintilava agourentamente sob a luz da lanterna.
— Rosi... — sibilou Gregory — Acho que me cortei naquelas lanças... estou sangrando!

— Vamos embora daqui...

Subiam lentamente os primeiros degraus da escadaria quando, então, uma gargalhada demoníaca ecoou pelas paredes de pedra.

Rosângela e Gregory estremeceram, sentindo as entranhas congelarem e o coração acelerar como se quisesse abrir um buraco no peito e fugir para o mais longe possível dali. E então puseram-se a correr. Correram como se um diabólico exército de criaturas infernais estivesse marchando atrás deles e suas vidas dependessem da velocidade dos seus pés – porque, naquele momento, talvez elas de fato dependessem.

Assim que chegaram ao topo da escada e saíram para o salão com os pilares, a parede se fechou novamente com um estalo, e os dois continuaram correndo desesperadamente sem olhar para trás por sequer um instante. Voltaram para a cabana sem nem ao menos esperar pelo resto da expedição.

— Caramba! — exclamou Gregory arfando quando chegaram ao alojamento — O que diabos era aquilo?!

— Não sei — disse Rosângela com uma expressão fixa — Acho que era uma tumba, ou uma masmorra...

— E o que foi aquela risada?! — falou Gregory apertando as mãos.

— Deve ter sido coisa da nossa cabeça, Greg. Ficamos perturbados pra burro quando vimos aquelas correntes e aqueles — ela estremeceu — corpos. Deve ter sido isso. Tem que ter sido isso. Não pode ser outra coisa. Porque, né?, essas coisas não existem. Não podem existir. Não... — ela balançou a cabeça e olhou para ele — Ai, Greg, você tem que limpar esse machucado!

— Ah, é mesmo! Com tanta adrenalina tinha até parado de doer. Devo ter me cortado em alguma daquelas lanças novas e limpinhas que estavam lá. É melhor eu lavar isso logo antes que infeccione, dê uma gangrena e eu morra de tétano.

***

À noite, Rosângela e Gregory jantavam um ensopado qualquer em sua cabana.
Agora, sério, Rosi — começou Greg — Aquilo que aconteceu hoje mais cedo não foi produto das nossas mentes perturbadas. Meu cérebro nunca seria capaz de criar uma gargalhada tão assustadora quanto aquela.

— Ah, Greg, de novo isso? Não quero mais pensar sobre esse assunto. O cheiro da decomposição deve ter feito a gente alucinar, sei lá. Ou vai dizer que você prefere acreditar que eram zumbis hindus doidos para comer nossos cérebros?

— E se fossem?

— Você anda assistindo muito Walking Dead. Em todo o caso, zumbis não gargalham.
Neste momento, ouviram três fortes batidas na porta de madeira do bangalô.

— Quem será a essa hora? — perguntou Gregory, tenso.

— Relaxa, Greg, zumbis não batem na porta antes de entrar — riu Rosângela — Quem é? — perguntou mais alto.

— É o professor Richard Johnson — disse uma voz rouca do lado de fora.

— Ah, o que esse cara de fuínha quer agora? — disse Gregory em voz baixa.

O professor era o chefe da expedição. Um senhor baixo, magro, com uma cara comprida e um nariz pontudo. Muito míope e muito entediante, porém muito inteligente também. E já havia estado naquela região da Índia aprofundando suas pesquisas pelo menos umas oito vezes antes daquela.

— Boa noite — disse ele quando entrou — Como está o ensopado?

— Ah, está gostoso. As cozinheiras daqui são muito boas. O senhor gosaria de jantar?

— Não, obrigado. Tenho uma pergunta a fazer. Vejam, eu não queria parecer grosseiro, por isto perguntei sobre o ensopado. Mas a pergunta que quero fazer não é essa, sobre o ensopado. Dizer banalidades ajuda a quebrar o gelo, é o que dizem por aí. Não sou muito bom com essas coisas. Fiz cursos, até. Mas não sei lidar com pessoas, especialmente vivas.

— Hum, certo, professor. O senhor gostaria de saber...? — cortou Rosângela.

— Sim. Digam-me: O que aconteceu na gruta hoje de manhã para que vocês decidissem voltar sem a expedição?

Gregory e Rosângela entreolharam-se.

— Bem, o Greg se machucou — começou Rosângela — E achamos melhor vir tratar o ferimento dele aqui.

— Deixe-me ver este ferimento — disse o professor.

Gregory retirou as bandagens que envolviam sua mão e mostrou ao professor seu machucado recém-adquirido.

— Este ferimento se parece com os encontrados nos vestígios mortais de um antigo grupo humano que costumava viver nesta região. Estranho, estas lanças utilizadas por eles não existem mais hoje em dia. Ou existem? — Richard Johnson lançou-lhes um olhar penetrante por trás dos grossos óculos de aros pretos — Essas lanças são envenenadas. Você está morrendo, Gregory.
— O QUÊ? NÃO! COMO...? — gritou Gregory.

— O que você está dizendo, professor? — perguntou Rosângela arregalando os olhos e abraçando seu marido — Não, veja, nós encontramos uma sala isolada na gruta, hoje, que tinha essas lanças, uma coroa e esqueletos e...

— Ah, sim — disse o professor — Eu havia imaginado. Acalme-se, Gregory, você não vai morrer, pelo menos não envenenado pela lança. Só disse isto porque precisava que me contassem exatamente o que aconteceu.

— SEU VELHO FILHO DA PUTA! — gritou Gregory dando um soco na cara de Richard.

— De qualquer forma — disse o professor, limpando o sangue da boca — vamos todos morrer.

— Como assim? — perguntou Rosângela.

— Vocês abriram a Tumba Sagrada, onde os antigos povos hindus aprisionavam os maus espíritos e os de mau coração. Vocês... — nesse momento, parou. Sons de tambores ecoavam nas paredes, cada vez mais altos.

— Que porra é essa? — berrou Gregory dirigindo-se à janela.

— São os antigos tambores Hindus usados em rituais de sacrifício — respondeu Richard começando a balançar-se freneticamente para frente e para trás. Linhas azuladas em forma de círculos começaram a despontar em sua pele ao redor dos olhos, alongando-se por todo o rosto.

— O que... o que é isso no seu rosto, professor?! — perguntou Rosângela em um sussuro.

— Meu rosto... — começou Richard tocando os olhos. As marcas agora enrolavam seu pescoço, colo e braços. Os tambores ficavam cada vez mais próximos, cada vez mais altos, cada vez mais desesperadores. — É o começo do fim.

— Vou ver que merd... — disse Gregory abrindo a porta. Mas subitamente o som dos tambores cessou, mergulhando a aldeia num silêncio ensurdecedor — Isso é pior que os tambores... — sussurrou.

— É... em breve, agora... — balbuciou o professor, tremendo nervosamente, apertando os braços contra si.

— O que aconteceu? — perguntou Gregory — O que ESTÁ acontecendo?

— Vocês — o professor levantou-se de repente — VOCÊS! VOCÊS LIBERTARAM OS ESPÍRITOS AGOURENTOS DE OUTRORA!

— O quê?
— DEPOIS DE MILHARES DE ANOS ENCLAUSURADOS, ELES VOLTARAM PARA SE VINGAR! — Richard virou-se bruscamente para Gregory, agarrando-lhe o braço — E A CULPA É SUA!

— Minha?!

— O SEU SANGUE! O SEU SANGUE DEU-LHES A VIDA NOVAMENTE!

— Professor, por favor, acal...

— NÃO! O SANGUE DELE DESPERTOU OS ESPÍRITOS AGOURENTOS DE OUTRORA! ELES ESTÃO VOLTANDO PARA ME PEGAR, PARA PEGAR TODA A HUMANIDADE! VEJAM AS MARCAS!

— Professor, acalme-se, eu...

— ACALMAR-ME? FUI EU QUEM APRISIONOU O ÚLTIMO SER INFERNAL, O MAIS PODEROSO DE TODOS, EXATAMENTE CINQUENTA ANOS ATRÁS! — o professor caiu no chão, retorcendo-se de forma inumana — AGORA ESSE IMBECIL OS SOLTOU, E ELE VIRÁ ATRÁS DE MIM! E DE VOCÊS! E DE TODA A HUMANIDADE!

Os tambores recomeçaram. Richard gemia e contorcia-se caído no chão de terra. Gregory, histérico, gritava palavrões atropelados e esmurrava uma parede. Rosângela sentava-se na cadeira e olhava fixamente para o professor, em choque.

— Greg... — começou a doutora — Greg, acho melhor..

O professor caído começara a transformar-se em qualquer coisa absolutamente inexplicável. Seu cabelo grisalho caía em tufos no chão enquanto pequenas elevações cônicas surgiam em seu crânio. Sua pele adquirira uma coloração alaranjada e os círculos azulados aprofundavam-se como sulcos negros na carne. Bolhas cinzentas pipocavam em suas costas.

— VAMOS SAIR DAQUI! — berrou Gregory puxando a esposa pelo braço e batendo a porta da cabana atrás de si.


(Continua...)

Um comentário:

  1. Gregory agora é uma mistura de amigo gay e Homer Simpson!!! A mutação do professor me fez lembrar de um pesadelo que sempre tinha quando criança, a descrição meio que bte om os "monstros" que me perseguiam. rsrsrsrsrs Vou para a parte III

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